Espelho e retorno: Uma invocação ao si mesmo
Há um pensamento antigo de Sêneca que perpassa o tempo como quem atravessa um espelho — e, ao fazê-lo, revela não apenas nossa face, mas nossa ausência.
Ele dizia que quase ninguém vive por si. E quando olhamos ao redor, vemos: uma coreografia de funções, um mercado de utilidades onde nos oferecemos em troca de algo que nem sempre nomeamos.
Cultivamos relações como investimentos, distribuímos atenção como moeda, e nossos dias se acumulam em uma pilha de gestos emprestados.
Percorra os degraus da vida, do mais humilde ao mais exaltado. Observe os rostos apressados, as mãos ocupadas, os olhos inquietos. Uns imploram, outros julgam, outros assinam sentenças. Cada qual em seu papel — mas quantos, verdadeiramente, habitam a si mesmos?
E aqui, a pergunta que ressoa como um sino quebrado se impõe: Quem habita você quando você se esquece de si?
Será a alma idealizada, aquela que projetamos em discursos? Ou a outra, a esquecida, a exausta, a que foi empilhada sob tarefas e aparências até se tornar quase estrangeira? Vivemos para agradar, defender, intermediar. Mas quem se sustenta? Quem se escuta?
A filosofia nos convida ao retorno. Não ao passado, mas ao centro. Não à imagem que o mundo consome, mas àquela que o mundo desaprendeu. É um chamado incômodo, porque exige um inventário: quantos dias se passaram sem que estivéssemos à nossa própria disposição? Quantas vezes nosso rosto foi moldado para servir, e não para existir?
Hoje, nesta pausa entre respirações, te convido a recolher-se. Não para negar o mundo, mas para lembrar que, antes de funcionar para alguém, você é alguém.
Alguém com fome de sentido. Alguém que, no coração do labirinto, ainda anseia por pertencer a si mesmo.
Feche as janelas das obrigações. Silencie as notificações internalizadas como deveres. E então ouça. Há uma voz quase inaudível, mas teimosa, que insiste: Volte.
Ainda dá tempo...
Pois o mais urgente não é que nos sigam, nos entendam ou nos aprovem, mas que, ao menos uma vez, no breve tempo que temos, tenhamos a coragem de responder — com inteireza — quando a alma perguntar: Quem sou eu quando me encontro?
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