Desejo e interdição – A luta interna entre querer e poder
Quantas vezes você já se viu diante de um desejo legítimo, mas barrado por uma força interna que diz: não pode? Ou não deve? Ou, ainda pior: não consegue?
Essa tensão entre o que queremos e o que sentimos que não podemos viver é uma das vivências internas mais profundas da condição humana.
Freud chamou essa força de interdição de “superego”, uma instância psíquica que carrega as vozes internalizadas da cultura, da família, da religião e de tantas outras formas de controle social. Ela atua como um juiz severo, impondo limites ao nosso desejo, muitas vezes sem que saibamos de onde vem tal proibição. Não raramente, acabamos desejando o que nos é vedado [interditado] — e sentindo culpa por desejar.
Mas seria justo pensar que o desejo é um problema?
Para a psicanálise, o desejo não é apenas legítimo, mas estruturante. É o que nos move, o que nos faz sair da repetição, buscar sentido, experimentar a vida com singularidade. O problema não está no desejar, mas nas tramas que se formam quando o desejo esbarra em regras rígidas, interditos morais, dogmas ou medos. Muitas vezes, queremos algo que nos faria florescer, mas a censura que carregamos nos mantém na esterilidade da obediência.
Esse olhar convida à autoria da própria vida. Ao invés de seguir o roteiro herdado, podemos criar um caminho onde desejo e responsabilidade não sejam inimigos. Onde o “não posso” seja questionado, não como rebeldia, mas como um gesto de maturidade afetiva e liberdade pensante.
Mas [e esse “mas” é importante], nem todo desejo deve ser considerado um guia confiável. Às vezes, desejamos o que nos adoece. Corremos atrás de ideais que não são nossos, movidos por feridas antigas ou pela necessidade de aprovação. Há desejos que nascem da falta, não da liberdade — e, nesse caso, desejamos não porque queremos, mas porque precisamos preencher buracos. Esses são os desejos que nos iludem, que prometem alívio e entregam o mesmo vazio de sempre.
Um processo analítico pode ajudar a diferenciar o desejo que vitaliza daquele que aprisiona. Ao escutar com atenção o que nos move, começamos a separar o que é impulso genuíno do que é rastro de um passado não digerido. E isso muda tudo.
A luta interna entre querer e poder, então, não precisa ser um campo de batalha onde um lado vence o outro. Pode ser, quem sabe, um compasso mais brando, em que escutamos o que cada parte quer dizer. O desejo, com sua vitalidade e potência. A interdição, com seus alertas e temores. Talvez seja nesse intervalo de escuta mútua que resida a chance de uma vida mais inteira.
E se hoje você estiver cansado dessa luta interna, saiba: você não está só. Há sabedoria no conflito e esperança na escuta. Desejar é humano. Dialogar com o desejo é o início de um caminho possível.
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