Quando a esperança se cala

Vivemos dias ruidosos. Não apenas pelo excesso de sons, mas por aquilo que nos invade cotidianamente sem pedir permissão: opiniões, exigências, indignações performadas, convicções vendidas como certezas absolutas [assim mesmo, redundante]. Tudo é alto demais, rápido demais, demais.

Mas há, também, um tipo de quietude que começa a se instalar, não a que se escolhe, mas a que brota do cansaço: não é paz, é apatia; não vem da contemplação, mas da desistência. Tenho sentido esse tipo de ofegância interna. Não é tristeza, exatamente; é um esgotamento... uma exaustão. Como se, após tantas investidas emocionais e espirituais, restasse apenas o esforço de continuar.

Penso que parte disso nasce da sensação de não pertencimento ao tempo em que vivo. Venho do século passado — não era bom, mas ao menos havia promessas plausíveis: de que a educação emanciparia, de que o progresso traria dignidade, de que a comunicação nos aproximaria, de que haveria tempo [imagine só...]. Hoje, a sensação é de atravessar um corredor de espelhos estilhaçados: cada passo revela mais fratura, mais desilusão, mais pressa. E nenhuma saída clara.

Como diria Karl Valentin: “O futuro era melhor antigamente”.

Esse tipo de experiência gera uma dor específica: o luto pelo porvir, uma saudade dorida pelo que não veio a ser. Uma espécie de colapso da esperança.

E é aqui que, quase sem querer, volto meu olhar para Jesus. Não o Cristo glorificado, tampouco o taumaturgo, mas o galileu que foi ao Getsêmani. Aquele que, já consciente do que viria, se recolhe em oração e, diante do Pai, não faz discursos, apenas se derrama em agonia. Jesus, na véspera derradeira, não ensina, não cura, não reparte, mas transpira... calado.

A narrativa do Getsêmani me interpela não apenas por sua densidade espiritual, mas por sua humanidade. Ali, o Nazareno não está vencendo o mundo. Está sendo vencido por ele, ao menos por um momento.

A travessia de Jesus por aquele jardim escuro, sabendo que seria traído, abandonado e injustiçado, é um lembrete de que o amor verdadeiro não se apoia em promessas de êxito. Ele permanece mesmo quando tudo ao redor parece dizer o contrário.

Há um traço teológico marcante nisso: a fidelidade de Jesus não nasce da expectativa de um mundo melhor, mas da convicção de que o amor não pode ser negociado, ainda que doa de forma tão intensa. Em outras palavras: Ele segue doando a Si, mesmo sem garantias.

E talvez seja essa a resposta mais honesta que consigo dar a mim mesma, quando a minha fé perde a voz: continue; atravesse. Não porque tenho ânimo ou enxergue um bom futuro, mas porque ainda reconheço o valor da entrega; porque ainda acredito que o amor é, em si, um fim.

Getsêmani é, então, o espaço entre o saber demais e o ainda assim. Jesus não saiu dali confiante, nem entusiasmado. Saiu decidido. E essa decisão — muda, cansada, mas firme — talvez seja o que nos resta quando o mundo parece não merecer mais nossa crença, nossa alegria. E há algo de sagrado nisso, porque se nem Jesus fugiu dessa aurora invertida, também nós podemos encontrar alguma dignidade nesse intervalo.

A sensação é a de que estamos todos vivendo o nosso próprio Getsêmani — a véspera da grande tragédia, mesmo sem saber exatamente qual. E o que nos resta é acreditar que a vida ressurgirá do caos, mesmo quando o mundo parece desaparecer debaixo dos nossos pés; mesmo quando parece não haver quem possa mudar a rota de colisão iminente, ou mesmo quando seguimos todos, cabisbaixos, em direção ao abatedouro de sonhos e corpos.

Getsêmani nos lembra que há um Amor que permanece. E talvez seja Ele — apenas Ele — a centelha capaz de acender de novo a esperança.

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