Você também merece viver o seu luto

Algumas dores não escorrem pelos olhos, mas continuam ali, gotejando como cicuta, dia após dia.

Você as abandona dentro do peito, como quem larga aquela mala da última viagem. 

Você a ignora; não quer saber o que há dentro; empurra para o lado, mas sabe que precisa desfazê-la porque ela está impedindo a sua travessia.

São ausências que não se anunciam, perdas que não ganham nome, desilusões que não recebem ritual.

Você as escondeu atrás de um “tudo bem” dito nos corredores, ou de um riso ensaiado que tenta disfarçar os labirintos de ossos e restos.

Você conhece essa ausência.

Não a que se rasga em velórios, mas a que sussurra em projetos que morreram no esboço; em sonhos que se perderam antes da partida; em amores que foram embora enquanto você ainda estava lá.

Ninguém lhe trouxe flores para esse enterro sem corpo.

Ninguém viu o caixão invisível que você carregou no colo, entre reuniões e metas.

Ninguém perguntou se havia algo precisando ser sepultado com ternura.

Você seguiu...

Com a alma enlutada e a agenda cheia.
Fez o sepultamento entre uma ligação e um e-mail. 
Guardou a urna do seu afeto em alguma gaveta qualquer — e continuou, como se o seu mundo ainda estivesse inteiro.

E talvez a dor mais funda nem seja a da perda, mas a de ter que seguir agindo como se nada tivesse acontecido.

Você merece (e talvez precise) chorar o que nunca pôde ser nomeado.

Porque o tempo não cura — esconde.
Empurra a dor para câmaras obscuras onde a angústia cresce e se disfarça de cansaço, de insônia, de um vazio que nada nomeia — e nada preenche.

E quando tudo silencia, especialmente à noite, quando o mundo desliga, ela volta com olhos abertos.

E dessa vez, não pede — exige: olhe para mim; dê-me um nome; liberte-me!

Este texto é um convite. Não para reabrir feridas, mas para reconhecer o que ficou soterrado.

É sobre
 o que morreu em você sem adeus; a lágrima que você segurou para não parecer fraco; a dor que doeu tanto que perdeu o nome.

Você não está só. Há muitos de nós, caminhando com saudades sem rosto e lutos não digeridos.

E aqui vale lembrar o que a ciência sustenta e o coração reconhece: t
odo luto negado se transforma em peso invisível; todo luto silenciado encontra outras formas de gritar: no corpo, nos relacionamentos, nos vazios que não sabemos nomear.

Viver o luto é um ato de coragem. 
É honrar o que foi, mesmo que tenha sido breve, incerto ou inacabado.
É um caminho de inteireza.

E você também merece esse luto, esse rito, esse renascimento.

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