Ode ao infinito que nos habita

Não somos um só, mas muitos. Somos o espelho diante do espelho, o reflexo que devolve outro reflexo numa galeria sem fim, funda como o sono, onde cada "eu" é um talvez, uma porta entreaberta para o sempre.

Vislumbramos essa vastidão nos instantes de silêncio puro, quando a vida, em vez de gritar, cala. É quando o peito se abre em câmera lenta e percebemos: há um universo de constelações íntimas que não cabem no nome que nos deram.

Foi isso que Arvo Pärt soube em seu exílio criativo. Ao mergulhar em si, ele ouviu o zumbido primordial, o "tintinnabulum" da alma — um sino de cristal batendo no pé do tempo. E daí nasceu a música-espelho: a nota simples, pura como uma lágrima não chorada, e a melodia que sobe, degrau a degrau, como uma prece sem religião.

Spiegel im Spiegel é a geografia do assombro. Quem nela mergulha, caminha pelos corredores do próprio ser e encontra, em cada sala, uma versão de si: a criança que foi, o ancião que será, a sombra, a luz, a ferida e o bálsamo. Tudo coexiste, tudo é. Não há fim para o onde, nem início para o quando. Há apenas o sibilo contínuo de quem somos diante de quem fomos, diante de quem poderemos vir a ser.

E o espelho fundamental, aquele que tudo reflete, não é feito de vidro e prata, mas de silêncio e atenção. Ele não pergunta “o que você vê?”, mas “quem está vendo?”.

Esta ode é um arrulho, um aceno, um silvo para lembrar: o infinito não está lá fora, à espera de ser conquistado. Ele está aqui, habitando o nosso hálito, o espaço entre um batimento cardíaco e outro. Ele é o convite permanente: “Olha de novo. Olha com calma. Ainda é você aí dentro. E sempre será.”

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Antes que eu me esqueça, se quiser, ouça "Spiegel im Spiegel". Dizem que para cada passante ela conta um segredo, uma anedota talvez: Spiegel im Spiegel

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